28.06.2023
O nível ao qual a inteligência artificial chegou nos coloca diante de novas questões éticas: como promover um desenvolvimento tecnológico na medida humana? Call to action (chamado à ação) para desenvolvedores e inovadores do mundo digital. Um horizonte que inclui todos.
Fonte: www.focolare.org
Junho de 2023, Instituto Universitário Sophia: na tela da aula magna, uma anfitriã digital abre com elegância o seminário “Em direção a um juramento digital | Towards a Digital Oath”. Estamos atravessando uma porta: a preparação começou faz tempo, mas a aceleração dos últimos meses significa algo novo.
Promovido por uma plataforma de temas – o centro de pesquisa Sophia Global Studies, o Movimento Politico per l’Unità, NetOne, New Humanity e Digital Oath –, o encontro quer abordar os assuntos mais urgentes do mundo digital por várias perspectivas: filosóficas, tecnológicas, éticas, sociais, políticas, até discutir a proposta de um “juramento” que possa representar para os responsáveis pelos trabalhos no mundo digital algo análogo ao Juramento de Hipócrates para os médicos. De onde vem essa exigência? Quais são os objetivos?
O mundo tecnológico tende a mudar rapidamente e, cada vez mais frequente, a uma velocidade superior à nossa capacidade de adaptação. A complexidade das máquinas e dos sistemas que estruturam a realidade influencia não só o nosso modo de viver, mas também o modo de ver o mundo e de pensar no futuro. O nível atingido pelas “inteligências artificiais” – IA, vê emergir, ao lado do entusiasmo por suas capacidades operacionais, uma preocupação geral sobre novas possibilidades abertas por esses sistemas e os efeitos que podem derivar da sua má utilização.
A recente difusão do ChatGPT (novembro de 2022) e de todos os seus derivados aproximou massivamente as IAs do nosso cotidiano, fazendo nascer novas questões ligadas à compreensão do que é humano e do que não é. No panorama mundial, a evolução desses aparatos produziram uma certa desorientação, não só porque a sua utilização está ao alcance de todos, mas sobretudo porque demonstram fazer algo que antes era prerrogativa dos seres humanos, com capacidade quantitativamente superior. O fato de nos encontrarmos diante de sistemas que não são “inteligentes” no sentido humano do termo e que gerenciam sua base de conhecimento por meio de cálculos estatísticos não muda o resultado final: a sensação de não sermos mais autores de escolhas fundamentais, desafiados por máquinas que são menos “instrumentos” e mais “companheiras de trabalho”.
A essas questões, o seminário “Em direção a um juramento digital | Towards a Digital Oath” acrescentou um tema central: perguntar-se sobre a ética das tecnologias significa se questionar sobre o humano. Inclusive, muitos parecem considerar o desenvolvimento tecnológico como a atividade humana que mais nos caracteriza.
Efetivamente, as tecnologias digitais e em particular as IAs são aquelas que refletem mais que as outras, como um espelho, o nosso modo de ser e de entender a existência. As crises do último século (de valores, ambientais, sociais e políticas) estão estritamente relacionadas a esse modo e nos dizem que ao desenvolvimento tecnológico deve ser adicionado um empenho educativo já determinado, de modo que cada forma de progresso possa ser guiada por uma profunda conscientização ética. O sentido de um “juramento” para o mundo digital vai justamente nessa direção.
O programa dos primeiros dias de junho contou com especialistas qualificados. Depois de um primeiro panorama geral sobre tecnologias digitais de hoje, o debate explorou riscos e regulamentações legais da utilização na Itália e na EU, nos EUA, no Brasil e na China, entrelaçando soluções tecnológicas e questões políticas, reflexões filosóficas e fenômenos sociais.
“É necessário tornar visível e aceitável um empenho concreto e universalmente compartilhado”, explica Fadi Chehadé, ex-CEO da ICANN (Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números) e promotor do “juramento” para ética no mundo digital, professor visitante no Instituto Sophia, “com o qual desenvolvedores, técnicos e usuários das tecnologias digitais possam ancorar de maneira saudável o seu trabalho com uma abordagem humanocêntrica”. Fadi Chehadé acompanhou as primeiras etapas do percurso desde novembro de 2019, quando um primeiro grupo se encontrou em Trento (Itália) para dar forma ao projeto. Depois, o grupo promotor envolveu estudiosos em vários países e participou da consulta pública promovida pela ONU para o Global Digital Compact (Pacto Digital Global) 2024.
Hoje o objetivo do Digital Oath (Juramento Digital) é necessário: sugerir linhas-guias e motivar eticamente os desenvolvedores e inovadores do mundo digital a colocar no centro a dignidade e a qualidade de vida das pessoas e das comunidades, o sentido humano da existência, o respeito aos direitos fundamentais e ao meio-ambiente.
“A proposta de traduzir, por assim dizer, o Juramento de Hipócrates para o mundo digital”, lembram os promotores do encontro, “já surgiu em vários estudos internacionais, que evidenciam a urgência do tema e a responsabilidade de quem cria e administra serviços digitais, administra dados. O pensamento não vale somente para as novas redes neurais, mas também para as redes sociais ou para as criptomoedas… O nosso trabalho se junta ao de outras redes: agora é preciso unir os esforços para uma coalisão entre universidades, setor privado e organizações empenhadas na escrita de um código ético, um protocolo de autorregulamentação que possa beneficiar pessoas, sociedade e meio-ambiente”.
No novo site de Digital Oath, há uma primeira formulação do juramento à disposição de todos e as inscrições estão chegando: o texto está aberto a sugestões e modificações com elaboração progressiva. O site reportará em breve também as inscrições e os documentos do Seminário. Apesar de a estrada ser certamente uma subida, somos muitos caminhando: é um horizonte que envolve a todos.
Andrea Galluzzi